sexta-feira, março 10, 2023

elis

Quais histórias têm um peito
Que sociedade excluí?
É que o padrão não conflui
Á beleza do meu jeito?!
Nos dizem que é imperfeito
E que somos indevidas...
Somos mulheres paridas
Que aos filhxs têm nutrido
E se o peito está caído
É que ergueu umas vidas

Não troco minhas "mochilas"
Pelos "melões" de ninguém
Cada um sabe o que tem
Quer saber? Entre na fila
E se peito em pé desfila
O que é sorvido se explode
Deseja, ama e fode
Nutre, acalenta, protege
Valente do amor que rege
Não pode não? Por que "mode"?!

Que se dane o que é "mostrável"
Exibível,  desejável...
Te agride o não-padrão?
Você evita o olhar?
Imagina o que não há
Para poder ter tesão?...
Coitado do safadão
"Sofrida a vida do crente"
Faz "linha pai", é ausente
Sábio, intelectual
Um trabalhador braçal
Posta músculos pra gente

Se a barriga é "deformada"
Feito professaste um dia
Compreenda a poesia
É por que já foi morada.
Faz que é nosso camarada
Mas acredita hororoso
Um ninho misterioso
Acalentador de um feto
Que precisou de afeto
E de um teto fabuloso

Enquanto a gente paria
Você vibrava outro peito
Nem a cicatriz direito
Deixou que ficasse fria
O verso e a poesia
Noutro endereço o confeito
E a outra escreveu com jeito
Nem indireto ou lacônico:
"Sou um eterno platônico
Penso em ti todo dia"

Enquanto isso, eu me via
Um portal que conseguiu
Plena do que se seguiu
Com um rebento no peito
Mas você não tinha jeito
Nem verso nem comoção
Faltou-nos na gestação
Não há como ser desfeito

Prosseguimos desse jeito
Mas a mágoa obstruiu
Não só o peito caiu
Com as sobrecargas no peito

Culpa de ter aceitado
Tudo o que verso em refrão
Resiliência, perdão
Bom e ruim foi abraçado
Agora o joio em qual lado?
Falta encontrar esse fim
E já não tiro por mim
Não tenho resposta pronta
Parece chegou a conta
Gatilho ficou assim

Tentar ter os pés no chão
Tentar tudo a cada passo
Não tentar, minguar compasso
Ficar de novo sem chão...
Eterna lamentação
Irmã, procura lutar
Quem aguenta escutar?
Nem amiga aguenta não
"Deixa esse caba do cão
Passa a te valorizar"

Rusgas, cicatriz no reto
Flacidez, diáse, estria...
É por que guardou a fia
"Por ter carregado um feto"
Meu amigo, fique esperto
Não seja tão imbecil
Essa tua fala hostil
Tu acha mesmo correto?!
Stalkear as meninas...
Os tesouros, as rotinas
Em um espelho incompleto

É Hipocrisia fina
Dizer o que quer dizer
Entre os macho, há de saber...
"Parceiro"- não recrimina
Quero ver dizer às minas
As asneiras que tu dizes
Venha dizer às nutrizes
O que por trás tens falado
Fica feio pro teu lado
Tu pode ser cancelado

Sabe a força feminina?
Machucou profundamente
Teu machismo indecente
Na Hipocrisia escondido
Bancando o evoluido
Doutorando, pos-doutor
Pois faça ao mundo um favor
Aprenda a honrar seu cacho
Se ligue, ô esquerdomacho
Teu discurso é um horror

Tu também saiu por baixo
Do ventre de uma mulher
Resteita mamãe, na fé..
Deixa do teu esculhacho
Contempla a nossa rotina
Se dispõe a aprender
Pra poder algo tecer


Vou sentir ódio de mim?
Vou querer me multilar?
Cortar meu corpo, rasgar?
Por que sou o que é "ruim"?
Quem decretou que é assim?
Que tem que haver padrão?
Vai te danar, canastrão
No teatro eu sou versada
E mentira deslavada
Percebo logo,  irmão

Quem disse que é assim
Que é como vc diz?
Que pra me sentir feliz
Tenho que me encaixar
Cortar e siliconar
Padronizar o meu ser
Quero o gosto de viver
Fluir e me expressar


É uma ode a magreza
Beleza plastificada
Também não ser desbundada
"Descuidada" da beleza
Se raspe, pinte, depile
Realce, cace, compile
"Traços negroides afile"
"Não pode ser desleixada"

"Feche as pernas", agora abra
Faca pra mim a dancinha
Besteira ser enganada
"Posso te dar uma calcinha?"
- igual a da Ercilinha?
" Não exponha, fique calada"
Eu vou te comer, safada
Seja a minha putinha...
Mas puta é mais 5000
"Porém vc é só minha"
É o linho e a linha
É a paz que vem na guerra
Pega tudo isso e enterra
Para não ficar sozinha...

Se permita ser xingada
E de leve enganada
Vc aprende, gatinha
Ser corna mansa é aposta
Engula a conversa bosta
E Procure andar na linha

Mas se dele a despedida?
"Vá viver a sua vida
Diz o dito popular:
Quem cuida da vida alheia
Da sua não pode cuidar.

E se o peito está caído
Já te livrou de um marido
Amém, axé,  oxalá!










terça-feira, agosto 23, 2022

Janice Japiassu




Pedrinha, miudinha
Pedrinha de Aruanda aê
Lajedo tão grande
Tão grande de Aruanda aê

Janice, parece Clenice
Clenice minha mãe...

Janice se encantou
Um dia após meu aniversário
Dia 20 de maio
No ano que minha mãe
Também se encantou
2019

Japiassu, feito uma ave,
Um sanhaçu...
Uma passarinha,
uma sibita...

Janice, feito algo
que já nasce bom

Sertaneja feito minhas raízes
Sertaneja feito minha infância

Uma conterrânea,  terras irmãs
São José e Monteiro
Pinto e Louro eternizaram esse casamento

Janice bate minha porta
Uma pedra de sal
Mareja a face

Quanta conexão
Poeta sertaneja, artista plástica, compositora...

Me vejo nascendo em Janice
Janice nascendo em mim
Clenice que me pariu
Janice sobre essa pedra

Em Aruanda uma conversa escapa,
E parece me encontrar
As duas mandando recados
Tomando um chá de eternidade
Devo cantar essas Eguns bonitas
De nomes parecidos
De parecidas lidas

Clenice parece com Janice
Mesmo sufixo
Nesse reflexo
Uma rima

Me deixo nesse círculo
Me debruço nessas garotas
Me acho nessas esquinas

Minha poesia se apoia
Nessas pedras, pequenina,
Se alicerça

E enraizo,
pra que cresça

Clenice, Janice
Janice, Clenice...

Um eco de água entre as pedras..
Minhas ancestrais.









quarta-feira, junho 01, 2022

Funilaria Martin

 

Funilaria Martin

 

Chegamos cá de mudança

Vamos daqui pr’outro chão

No corcel nosso cavalo

Galopante de invenção

Correndo atrás da história

Com a história na mão

 

Viemos cá galopando

O carro é nosso corcel

Feito um cavalo de fogo

Das profundezas do céu

Doce azul da mãe de cristo

Cristalino feito mel

 

Nos vermelhos dos caminhos,

Barreados e tingidos,

Protegidos pelos santos,

No amor dos tempos vividos

De tudo o que contemplamos

Estamos abastecidos.

 

Nos milagres ascendidos

Nos silêncios na estrada

Parando a gente dialoga

Da maneira mais sagrada

Reinventando a história

Com poesia cantada.

 

Pelas estradas que fluem

Saltam paisagens verdosas

E vacas pastando céu

Azul, e verde babosa

Parece um sertão bonito

Da cor de Guimarães rosa.

 

Lu

Achamos até que enfim

O canto tão procurado

Aqui é o recomeço

Do nosso sopro sagrado

Mas pra chegar no agora

Caminho já foi andado

 

Jaboticaba, janela

Batom, criança, costura,

Cachorro, velha, tijolo,

Realidade e loucura,

Cata-vento, Lua e Sol,

Terra, verde, aventura

 

Dinheiro pouco, boneco

fábrica, posto, visão

Pano na mala, teatro

Silêncio, rádio, amplidão

Dívida de pai pra filho

Escritura da missão

 

Cachaça, doce Avenida,

Arco-íris e cordel,

Dinheiro que nem servia

Mas que chegou no chapéu

Sumindo por conta própria

Pois nosso olhar tá no Céu

 

Na dança dos malabares

No fluir da bailarina

Na pintura do palhaço

No sorriso da menina

No som das palmas contentes

Nas cores da nossa sina

 

Mambembando pela vida

Mais fantoche do que gente

encontramo outra boneca

na freqüência do repente

cantando no violão

oferecendo o presente

 

vampiro, brinco, leveza

sorriso, aperto de mão

beleza, sonho, surpresa

estrela na imensidão

sementes, flores, clareza

serpente, fogo, paixão

 

anaíra

 

Cá nesse corcel de vento

Tem uma estrada embutida

E em cada um passageiro

Uma estrela bem luzida

Que nos guia pela terra

Chegada, volta, e partida

 

Sendo essa a forma da vida

Traçamos nossa viagem

Querendo encontrar um canto

Que também é só passagem

Mas que guarda alguma graça

Desse campo de linguagem.

 

O carro tem engrenagem

Tao qual a vida e o trem

A gente está no sistema

É engrenagem também

Quando a gente entende isso

Consegue ir mais além.

 

É o caminho do bem

Da flor e do paraíso

Paraíso que é interno

E vem em tempo preciso

Não chega quando se quer

Mas quando aquieta o juízo.

 

E é por isso que eu friso

No mapa da oralidade

Que a pergunta e a resposta,

Moram na mesma cidade

Comem da mesma comida

Vivem da mesma vontade...

 

Pela sincronicidade

É que de fato se encontram

E aí, na plenitude,

É que as verdades brotam

Feito sementes doridas

Feito folias que saltam.

 

 

Diana pergunta a Paco:

 

– Não é melhor ir direto

Pra Milho Verde e deixar

Essa dívida a pagar?

 

– Diana, não é correto,

Se a dívida engabelar,

Não rumo caminho certo.

 

E sem ter o peito aberto

Não viajo sossegado.

Pagando fico tranqüilo,

Se não pago, sou cobrado,

Não pelo homem a quem devo

Mas pelo peito fechado.

 

E com esse carro assim,

Sem placa e sem pára-choque.

Não se vai a muito longe

Desse jeito “não dá rock”

É melhor ir até lá

Que arriscar o reboque.

 

E a gente ainda pode

Ir por aí arriscando

Parando pelas cidades

Ganhar dinheiro brincando

Que quando menos sonhar

A gente vai estar chegando.

 

Sem muito pensar no quando

Vamo embora sem demora

Que tudo que a gente pensa

Vira verdade uma hora

Com a benção de São Cristovão

Tamos protegido agora.

 

E o carro arranca na beira da estrada,

Sem placa, sem mapa, e sem pára-choque...

Diana e paco caminham sem norte,

Dali em um pouco dão uma parada.

É pouca a palavra, e longa a estrada

E faz-se o caminho com coisas pra ver...

Alerta, vermelho, quer abastecer...

Semelhante o carro, azul e solar,

Diana arregala o globo ocular

E afasta a cortina à flor do saber.

 

Atrás da janela do tempo correr

Tão calma paisagem do dia que cora

De linda criança, de bela senhora

De flor que se abre e alimenta o ser

De sol e de chuva da planta crescer

De amor de amora e de jabuticaba

De coisa que nasce e de coisa que acaba

De linha e costura, de flora e bordado

Da flor do aberto, da flor do guardado

Da cor do batom e da cor da goiaba.

 

Debaixo de uma jabuticabeira

Uma velha senhora, sentada, costura

Pequenos paninhos que a neta pendura

Naquele varal, toda companheira

Enquanto a avó fica ali na cadeira

E ensina a menina, se eleva o cenário

A cor, o carinho, a flor, o canário

O canto, o silêncio, e a paz celestina

A neta e a velha, a vó e a menina

A coisa mais bela da era de aquário.

 

(de quando chegam á ‘campina grande’, e encontram dona Mabel)

 

Chegando a outra cidade

Colorida flor de graça

De um jardim de cata-ventos

Minha poesia se engraça

E soprando cria ventos

A onde o vento não passa.

 

Foi então naquele dia

Perto de uma usina velha

Num milagre de Miguel...

Num cenário cor-de-telha

Que encontrei outra rosa

Numa paisagem vermelha

 

Ali eu era uma abelha

Que encontrou sua musa

Na loucura de um Quixote

Que em sua trova profusa

Numa miração de pedra

Por onde passou medusa

Lá conheci uma deusa,

A Senhora Mãe do Vento,

Batendo as asas de Iris,

Na contemplação do invento,

Entendendo a liberdade

Das gentes, dos movimentos.

 

Com tantos ensinamentos

Pude expor para a platéia

(Um cachorro, a deusa, e paco)

A verdadeira colméia

E dos moinhos de vento

Não faltou a Dulcinéia.

 

Lu

(1ª parte)

A estrada é nossa morada

vivemo atrás de um lugar

Que ninguém sabe se existe

Ninguém nunca ouviu falar

A cidade é Tatuí

Você sabe onde encontrar?

 

Com a benção de são Cristóvão

Seguimos nesse Corcel

Eu sendo esse mamulengo

com meus versos de cordel

e meu par sendo o pai dele

que observa lá do Céu

 

Funilaria Martín

é o destino primeiro

é lá que tá o credor

de Paco, meu companheiro

Por isso rodamos tanto

Nesse carro aventureiro

 

Só que tem a gasolina

Que é preciso pr’ele andar

E isso custa dinheiro

Ainda mais quando não há

Sinal dessa Tatuí

Onde danado ela tá?

 

Depois é pra Milho Verde

O rumo da caminhada

E nas estradas, nos Céus,

Prosseguimos na jornada

Nos encontrando nos outros

Vivendo a vida sonhada

 

Da cortina da janela

Fui velha, uma criança

Varal, árvore, batom

É o tom da minha dança

Sou água de melancia

Repleta de esperança

 

Chegamos nessa cidade

Vazia e silenciosa

Pra enchê-la de emoção

Interpretando em glosa

a estória do presente

poetizando a prosa

 

E agora ao nos encontrar

Com a Senhora, Mãe do Vento

Mensageira como Íris

Doutora desse elemento

Pedimos só uma benção

De’um desses seus Cata-vento

 

 

-----------------X----------------------

(2ª parte)

 

Salve Salve Santa Rita

Salve povo encantador

Viemos contar estória

É esse o nosso valor

O Vento foi quem nos trouxe

Ele é o nosso professor

 

Saímos de muito longe

Vivemos na longa estrada

Procuramos Tatuí

Ô cidade procurada!

Só que ninguém sabe dela

Nem no mapa tá mostrada.

 

Tivemo em muita paragem

Nos vimos em todo canto

O carro é o nosso mocambo

Ele é um fiel recanto

Mas bebe um gás danado

Nos deixando sem um conto

 

Percorremos muitas léguas

Atrás de uma Funilaria

Martín é o nome dela

É ela a moradia

Do homem que o pai dele

Ficou devendo algum dia

 

Tamos indo lá pagar

Não sabemos bem o quê

Só que temos que ir saldar

A dívida de um outro ser

Para que meu companheiro

Possa tranqüilo viver

 

Olhados por São Cristóvão

Seguimos na travessia

Encontros encantadores

Perfumam a nossa via

Batom em mão de criança

Na boca de quem a guia

 

Vimos as asas de Íris

Aplaudir a nossa estória

Junto a Paco e um cachorro

Escutou nossa memória

Nos deu de presente Vento

Abençoou –nos de glória

 

Muitas Luas se passaram

Muitas águas, muito chão

Juntamos algum dinheiro

Mas ele mal paga um pão

E agora agradecemos

A todos a atenção

 

Nós saudamos essas águas

Essa terra, esse presente

As plantas, os animais

Saudamo a Lua Crescente!

Saudamos nosso Deus Sol

Nesses versos de repente

 

Catavento na janela

Prosseguiremos viagem

Nosso rumo é Milho Verde

Tatuí é só passagem

Suspeito ser Tatuí

Uma cidade miragem.

 

da genese - incompleto

ATO I

 

O COMEÇO

 

Pessoas aqui, presentes

As graças deste lugar

Peço cá que cá escutem

A história que vou contar

Pois não vem de tão distante

É um recado do lunar.

 

E sentindo, a transmutar

vôo unindo os elementos

grito à água, vem a chuva

tempestade, vem o vento

cai na terra, nasce a planta

pau que cresce, o fogo invento

 

Tendo cada um elemento

a este enrredo evocado

nossa verdade é completa

entre a coragem e o atado

pois enquanto estou tecendo

me aproximo do sagrado

 

É a metafora do nado

de um peixe umbilical

criatura que broteja

ramando do milharal

herdado o sangue da terra

nessa trasmissão natal

 

Corpo de carne vital

é matéria, um instrumento

capaz de apreender

diante da coisa invento

a essência limiar

numa brincancia de vento

 

A pouco e a passo lento

entre frestas de outras portas

nasce a gente e logo crescem

fome alimentando as hortas

das sementes que brotejam

e que pareciam mortas

 

Com a verdade que corta

sai da urna o rico bredo

milagreando a nascente

e o sol que acorda cedo

da flora que vem tocar

com as luzes de seus dedos.

 

cresceu um grande arvoredo

junto das gentes cresceu

mas as gentes não sabiam

de onde tudo nasceu

somente desconfiavam

que cada qual era um eu.

 

Fazia dias que o breu

Tinha invadido o céu

Encontrou sua morada

Nessa imensidão cruel

E se amigou de uma nuvem

Que sempre lhe dava mel

 

O escuro se subiu

E a poeira assentou

A gente não tinha asa

e da terra não voou

e foi um grande mistério

Que a escuridão carregou

 

 Nesse tempo todo escuro

O urubu quem mandava

Chefe de todas as aves

Que lá de cima avistava

As gente daqui de baixo

Em quem elas defecavam

 

 

Ato II

 

O MAU AGOURO

 

Boa noite dou ao povo

e ajuda eu peço ao vento

pra falar do sentimento

que cabe dentro do ovo

 

não é sentimento novo

é coisa velha e antiga

também cabe em cada grão

da amarela espiga

 

é coisa que me intriga

e que aqui peço e louvo

que a memória me siga

e me ajude enquanto trovo

 

O tal fato ouvi de um corvo

que cantou, agouro mal

Ele voava em contraste

com o sol do milharal

e partilhava o mistério

da inteireza dual.

 

A cinza, o mel, o cristal

o sopro das criaturas

a essência das escrituras

e o caminho do tao

 

ninguém mais sabia igual

só esse corvo sabia

a tudo ele conhecia

consciente do real

 

mas nesse quadro atual

não há real que se sendo

que mesmo que escondido

não acabe aparecendo

 

Cabeça negra mexendo

Em silêncio gorgeou

E o dia branco de sol

Logo em seguida geou

E o branco que era gelo

Com o tempo degelou.

 

Conhecia, o corvo, mitos

De antepassadas culturas

Os mistérios infinitos

Almanaques e misturas

e partilhava dos ritos

das medicinas seguras

 

 


Serrita

 

Serrita

 

Uma benção passar por essa terra

Receber o carinho de vocês

Ilumina o caminho de nós três

Essa luz que aih não se encerra

Sobe monte, se estrada, corre serra

Nos dá força na volta pra cidade

Nos refaz o poder dessa amizade

Cada gesto, alimento de carinho

Pois aqui na fazenda salgueirinho

Encontramos muita amorosidade.

 

Exu/ Serrita, com Marina – dezembro de 2012

Voltando ao mapa da fome

 

Voltando ao mapa da fome

Geografia maldita
A que a escassez envolve
vazio o bucho revolve
fome que se reedita
cartografia esquisita
a de um povo que não come
enquanto o rico consome
o que quer, o que deseja
o pobre somente almeja
procura e logo lhe some

O Brasil tinha saído
mas já entrou novamente
e a esse despresidente
pode ser atribuído
um país acometido
por um desmonte imoral
se falta o essencial
pode saber que é por gosto
e essa corja tem rosto
são a face desse mal

Besta fera apocalíptica
corrói tudo feito praga
envenena, deixa a chaga
em sua anti-política
de fake faz sua mítica
mortifica e condena
volta a miséria pra cena
numa sordidez infame
queremos outro ditame
que refigure o poema

Alegre foi ter saído
daquela extrema pobreza
já se via mais beleza
de um tempo bem vivido
país melhor conduzido
tava num rumo melhor
mas voltamos ao pior
e ainda mais apurado
com um nazi chefe de Estado
pense num momento o ó

Recordo na minha infância
pela porta um: “Tem cumê”
coisa triste de se vê
miséria e mendicância
em paralelo à ganância
um projeto que tem nome
e enquanto o povo não come
o rico ostenta um pernil
É triste ver o Brasil
voltando ao mapa da fome

Um país adoecido
vai além da pandemia
não cabe na poesia
o quanto se tem sofrido
um cansaço estarrecido
um ambiente hostil
mais um que morre de frio
outra barriga a roncar
a fome achando lugar
é retrato do Brasil

muito desvalorizado
o sal do nosso suor
endereçado ao pior
o povo escravizado
tudo super faturado
o rico enricando mais
discrepâncias sociais
tributos sem repartir...
Mas se a gente se unir
Derruba esse Satanás 


 

terça-feira, maio 24, 2022

cordel do enfrentamento

Na nossa sociedade
dentre os grupos oprimidos
a mulher tem um destaque
importante a ser sabido
são elas quem sofrem mais
e o intento desses Ais
precisa ser resolvido

Esses queixumes reais
são diversos e oportunos
uma luta de muitas frentes
com objetivos unos
promover a igualdade
respeito a diversidade
pra refazer esses rumos

As violências são muitas
que aqui vamos elencar
mas tem umas principais
que é importante citar
fiquem atentes, anotem
para poder recordar:

Física e psicológica
moral e sexual
também outra violência
é a patrimonial
e todas essas porém
podem vir juntas também
são faces e um mesmo mal

A lei reconhece 5
dos tipos de violência
e encontrando essa lógica
dos que tem mais prevalência
aquelas que de tão drásticas
querem tirar nossa essência

Mas são muitas violências
é diverso o patamar
tem alguma que cês lembram,
para poder elencar?...
Eu me recordo de uma
que é importante citar

A violência política
vemos muito por aí
mulheres que são eleitas
E alguns buscando impedir
Vejam Dilma, Marielle...
o que sofreram na pele
difícil de engolir

Essas violências todas
não são casos isolados
infelizmente esses casos
são cotidianizados
pela cultura machista
e o triste patriarcado

Somas de outras violências
Também a tantas ocorre
e múltiplos feminismos
da experiência decorrem
movimentos específicos
pelas mulheres incorrem

A lei a todas socorre
ou devia socorrer
a questão é que os entraves
culturais que a gente vê
atrasam essas demandas
do que a lei nos prevê

Quando se é negra ou indígena
Mulher cigana, ou sem teto,
vinda de comunidade,
tratada como objeto,
mulher lésbica ou trans,
algo "fora dos padrões"
do normativo espectro

O Estado também promove
violência contra a gente
a violência obstétrica
é um assunto presente
coerção policial
e a violência estatal
Pode vir do presidente

Quando a gente elege alguém
que exerce a misoginia
que tem o ódio as mulheres
de uma forma doentia
é provável que nos queiram
tirar direitos um dia

E é fato esse bilhete
tem exemplos por aqui
quando a extrema direita
passou a nos presidir
sempre querendo criar
formas de nos deletar
modos de nos destruir

"Jogo das identidades"
por lá é utilizado
mulheres anti-mulheres
são fantoches do Estado
e umas ministras sinistras
a enganar nossas vistas
são braços manipulados

São necessárias políticas
Que empoderem de fato
Que estejamos em cena
criando o nosso ato
Que possamos ocupar
Aqui e todo lugar
Sem veto nem desacato

A Lei Maria da Penha
foi uma grande conquista
mulher que quase foi morta
que se tornou ativista
pela vida das mulheres
por força que nos assista

Outras tantas são exemplos
Das lutas cotidianas
E as heroínas da pátria
Titulações soberanas
Dão luz à grandes mulheres
De lutas que se irmanam

Professoras, cientistas,
Compositoras, arteiras
Obstetras e parteiras
Mães, guerreiras e artistas
Tantas a perder de vista
Queriam elas caladas
Com sua força ofuscada
Mas foram protagonistas

Na poesia de cordel
Contei de modo geral
O que limita as mulheres
E a raiz desse mal
Que a gente possa lograr
De um tempo mais igual



Esmeralda Iara

Uma bruxinha mirim
Da vassoura de capim
Banguela e amarela
Caboclinha curumim

Ciganinha em viagem
Traz na alma essa linhagem
De uma gema esverdeada
Nascida no Sol de Virgo
A visita que bendigo
Verde, florida, Esmeralda

Evocando 7 fadas
Vibra a magia divina
Sereia serena Iara
Iemanjá, Janaína 

Silvam Sacis nos caminhos
Pelos telhados das casas
Ventos e redemoinhos
Soprando tições e brasas

A Curupira de fogo
Sagradando a caatinga
Protege com seus assopros
O sertão, a mata, a restinga

Salve o sobrenatural
A natureza encantada
Cada entidade bonita
E a bruxinha Esmeralda

Salve todas as mulheres
Que inda são subestimadas
Pela cultura machista
Frequentemente caladas
Curandeiras, cientistas 
Mães, artistas, ativistas...
Tantas a perder de vista
Na história foram queimadas

quinta-feira, novembro 04, 2021

super Lua

Super lua
Deusa que nos sobrevoa
No alto da minha loa
Leoa
Super lua
Lei que me toma louca
Quebrada prato de louça
Da arca velha de Rita
Super lua
Avó antiga, morada
No alto da minha casa
Me alça, me caça
Coruja que canta e rasga
Super lua
Meu coração é de quartzo
Rosa, dourado e de prata
Feito batuque de cria
Tamborilando na lata
Super lua
Onça que no céu impera
Madrinha comadre fera
Templo que gera
No remanso dessas águas
Tempo de espera
Diluindo nossas mágoas
Heroina
Guia dos enamorados
Caos da luminosidade
A rainha da cidade
Me invade
Super tua
Já não tenho mais segredos
Luz em todos os enredos
Os sonhos acesos
Super tua
Meu sangue meu cio meu eixo
Mutante espelho e amplexo
Me vejo
Me seixo

No remanso dessas águas 
Diluindo nossas mágoas 


lapinha - mote de Ton Fil

O barro é matéria fina
Que o sopro vem povoar
Corpo templo desse ar
De poeira peregrina
Parte da essência divina
Que a natureza revela
Minha mão mexe e modela
Ao som de uma ladainha
Minha mãe monta a lapinha
Com o Santo que eu fiz pra ela

Observo e vou criando
Acho no barro esse elo
Várias imagens revelo
E assim vou admirando
Alguns eu vou floreando
Outros a face é singela
Cada imagem se desvela
Encontrando traço e linha
Minha mãe monta a lapinha
Com o santo que fiz pra ela

O louvor que tenho à Terra
Aprendi desde menino
Feito mestre Vitalino
Essa arte me aterra
Na silhueta da Serra
Uma impressão se avizinha
Pois vejo a face todinha
Dessa Grande Mãe tão bela
Com Santo que eu fiz pra ela
Minha mãe monta a lapinha

sábado, julho 03, 2021

Ave de fogo

A ave de fogo resurge
Numa fogueira junina
São Pedro apazigua nossa chama
Com a chuva da mãe divina
Abre nossas portas
Molha nossas hortas
Nos guia...

Viva Xangô, viva São João
O Sabiá é feito uma fênix
Que renasce junto com a chuva
Com a relva que sonha
No fogo interno
Deste mês junino
Se aquece pra revoar
E cantigar
Feito pássaro livre

quarta-feira, junho 02, 2021

crônicas de quarentena 1

 

Pequena crônica de quarentena 

 

“A rua é alegria, mãe, a rua é esperança, a rua é brincar com os amigos”- disse a menina Esmeralda de 5 anos caminhando a reta da avenida principal do Cajá em um misto de raiva e amor. Foi um saudosismo empacotado, reclamando que a viseira e a respiração embaçam sua vista. Disse ainda, antes de chegar ao destino e querendo entender mais sobre o sítio emergente: “a casa é só uma caixinha bem pequena... É chato. Queria liberdade.” – Completou com desejo a frase da emoção inconclusa, e a conformação aparente flertou com uma possibilidade de comer algum doce. Omar, o irmão mais novo, pega sempre a viseira como um cão pega a coleira para passear; euforia aflita, com medo que seja um desses constantes alarmes falsos em que somente um adulto sai para compras ou qualquer coisa, e as crianças têm que se entreter com os conhecidos atrativos caseiros: brinquedos, alimentos, lagartixas. Vi na notícia da net, dia desses, que o velho Raoni Metuktire saiu do hospital, fiquei feliz. Professou: “a gente deve estar junto, se amar e se respeitar, doença não marca dia”. Pensei que não foi desta vez que a Onça veio buscar o compadre. Por cá também, ferido, inflamado, alguma entranha sentida. Feridas fluidas que ora reacendem nos intestinos... Me apeguei à cúrcuma, um amarelo-queimado que tinge tudo, ao picante gengibre, e ao verde escuro e translúcido da Espinheira Santa, que feito a menina, é Esmeralda.  Ela é um pedra-verdinha que sonha futuros andejos. Sonhou inda ontem um sonho de manhã, sendo uma vampira pálida que aparecia no espelho, depois de se sonhar uma bruxa flutuante. Contou no café que olhava fixo o reflexo, podia ser de água, “tipo um lago” ela falou. – Filha, Lembra daquela lagartixa que parecia dragão-de-komôdo, que a gente chamava de Tiranossaura... ela sumiu. Ouvi as vizinhas falando de um calango do tamanho de um Teju que apareceu pelo sofá que elas deixaram por ali pelo corredor. – “Porquê as vizinhas têm medo de lagartixas, mãe” curiosidade sobre os medos. - O medo vem, Esmeralda, toma a gente sem motivo aparente. É a dificuldade com a presença o outro em você. As lagartixas também têm medo da gente, medo contagia.

Os pés das crianças cresceram muito, quando foram sair depois de três meses não cabiam os sapatos. Sonhei com os meus mortos, visitei velhas casas em sonhos, revi ruinas, reconstruí uns castelos. Sonhei com o pai da minha amiga ressuscitando, tinha raízes e ladrilhos em seu interior...  – “Mãe, me faz uma barraca”. O nomadismo parece estar em algum âmago da gente, emparelhando o essencial. Esmeralda gira no centro da sala até achar o voo. A alma pede viagem, o corpo pede leveza, mas o presente pede chão.



sábado, maio 22, 2021

Zé encantou-se

Um arco-íris cruzou
O céu aqui dessa mata
Pensei logo que era Zé
De maneira imediata
Em cortejo avoador
Em rastro de luz e cor
Pela paisagem de prata

Nesse metal de chuvisco
Um apito ressoava
No barbatuque dos raios
Que o tempo preparava
Pra receber o brincante
Que em seu vôo galante
Galopante se chegava

"Um capitão de verdade"
Disse outro mestre daqui
Subia tão alinhado
Dessa maneira que vi
Se brilho, fita ou bordado?
Transparecia um dourado...
Despido dessa matéria
Luzindo a beleza etéria
De um colorido encantado

A chuva comunicou
Quem em cortejo passava
Havia festa no céu
O Sol a chuva encontrava
Cá as raposas se uniam
Viúvas se despediam
Da viuvez pr'outo estado
A morte virava vida
E a ave renascida
Cantava já d'outro lado



















quinta-feira, novembro 14, 2019

No caminho do mar tinha flor e cura

Mote de Tonfil

Inquietante pensar
Que o desamor possa haver
Que mal se possa fazer
Que a vida possam roubar
A beleza violar
Mudando o rumo da estrada
Essências violentadas
Perguntamos até quando
Eu vi as plantas velando
Mil flores despetaladas

Sob leis eclesiais
Hipocrisia imperante
Alguns direitos vitais
Tomaram tom dissonante
O proscrito e o errante
Voz que quiseram calada
Sabedoria queimada
Em fogo se transformando
E a natureza velando
Mil flores despetaladas 

Mil flores despetaladas
Estrada e terra que voa
Espinhadeira corroa
Na Crística caminhada
Porém a nossa pisada
Tem passo forte de estado
Caminho abençoado
Pela mãe compadecida
Que gera, cuida e dá vida
Ao que outrora foi velado.

A força do feminino
Nos encoraja na fé
A graça de ser mulher
E entoar nosso hino
Um encanto peregrino
Entorna a face cansada
Sabedoria sagrada
De uma verdade se dando
Mil flores desabrochando 
Na consciência da jornada

Nasceu de mim dois mistérios
Duas riquezas carnais
Brisas espirituais
Desceram dos céus etérios
Pensamentos deletérios
Já não sustentam morada
Abranda a dor esgarçada
Em parto pleno se dando
Pedra e mar desaportando
Dessa flor desabrochada

Um mareio encarnado
Veio esgarçando a fresta
Serena sua seresta
Sereno o seu estado
Sereias em seu legado
Um rio virando mar
Um uivo soa lunar
Na voz de todos os santos
Mil bruxas saúdam o encanto
De seu retorno para cá





segunda-feira, setembro 30, 2019

No meu peito preso
Mora um grito excluído

sexta-feira, agosto 09, 2019

Na tarde que ela chegou
Estampiu-se ela de mim
Feito uma filha real
Uma outra a banhou
A trouxeram embrulhada
Silenciosa buscou-me
No sentido do seio
Estive acabada

quinta-feira, fevereiro 21, 2019

Omar

Omar desceu girando do cosmo
Se esparramou entre as frutas da Ceasa
Com as marés nos olhos nos espumou como as bebidas curtidas
Sábio de antigos desertos
De certo um imã, um irmão
No nome o som da criação criança, da graça
Os lábios do doce das tâmaras místicas alucinadas do Saara
Canção de oásis seu peito
Solto entre as palmeiras que abanam o tempo
Pés nas alpargatas, nas areias, nas estrelas, nos passos, nos Caminhos, no claustro, nos abismos, na amplitude, no vôo

Gemido arabesco de pássaro

Omar retorna conosco, somos gratos
Honrados com a sua majestade simples
Dou-te o veludo do meu leite e colo trigueiro
Te aninha em mim, ave santa
És, junto á Esmeralda, o tesouro antigo
Que entre mistérios minou
Gemas sementes tomadas pelo sopro
Dois milagres

terça-feira, fevereiro 05, 2019

Casa

Faltam as palavras
no espelho distante
Cintila a louça do frágil
Cavalga a força solta
com a cria pelo mato
Na busca de chão
os ladrilhos resistentes e belos
Existe um elo apagado
Um pulso ancorado
Um grito embotado
Na minha casa brotou uma mata
Os espíritos de ferrão defendem a ruína
Por toda parte há estilhaço
Como se a casa estivesse nas entranhas
me habita uma borboleta de madeira com cheiro de chuva
Ouço dentro o som da panela que ampara essa goteira antiga
Ouço a louça frágil
Como uma guerra que findou
sem socorro
Com os olhos secos
A vista traga mormaço
O vento cisca as telhas
Esfrego as janelas
Casa assim é palavra difícil

Mata

Na minha casa cresceu uma mata
Enxames guardiões e aves
Venho pra essa casa
Mergulho sua essência
No quarto das armas Omar dorme
Busco me desarmar
Bosque de abundância
Medro entrar

terça-feira, junho 20, 2017

Houve um tempo

Ô linda, verde
Louvando a deus
A Mônica zen
O anjo da guarda
A luz entrando
[Pelos portais
Árvore roxa
Caminho do açudim
Vital, Veneza, Grossos
Os reis magos
Lapinha improvisada
O Tapete patch Work
Elefantes, cavalos, jacarés
Circo carro céu
Tucano da almofada
A mente cheia de estórias
Minha vida cinema casa
As madrugadas de terror
Amor cor som emoções
Carros no salão grande
Encontro os arabescos
As janelas e as paredes grossas
Teatro corpo grupal
Liberdade de sentir
Abrir as torneiras
O fim é o começo
Tranças chapéus
Quadriculando fogo
Houve um tempo
Em que era moça
Com cauda de peixe
Tinha estrelas azuis... e presentes
Houve um tempo que revivi
Antigos caboclos
De lanças, plumas e brilhos
Com os pés amarelos
No chão vermelho
E madeira negra
De cipó pendurado
Esse tempo preto

quinta-feira, maio 25, 2017

No tempo das ancestrais

No tempo das ancestrais
Esteios, raízes, sonhos
Flores, folhagens, banhos
Contos, cantos divinais

No tempo das ancestrais
Mosquiteiros e descansos
Patos galinhas e gansos
Terreiros, sítios,  quintais

No tempo das ancestrais
Rezas, enfeites, anáguas
Rosas, ervas, bentas águas
Sincréticos rituais

Explanações cambiais
Sapiencias e saberes
Profecias e dizeres
Considerações, portais

No tempo das ancestrais
Curandeiras, benzedeiros
Boticários viajeiros
Frascos, perfumes astrais

No tempo das ancestrais
Goteiras em caçarolas
Recados e camisolas
Pecados originais

No tempo das ancestrais
Segredos, arcas, baús
Casas grandes, urubus
Amor de primos carnais

No tempo das ancestrais
Coisas de couro, couraças
Jabutis e carapaças
Jugos, preceitos morais

No tempo das ancestrais
Abanos de palha, esteiras
Gentes vendidas nas feiras
Poderes podres demais

No tempo das ancestrais
Tostões, cruzeiros, reais
Ouro, prata, vis metais
Castas, classes sociais

No tempo das ancestrais
Cruzadas e castidades
Hipocrisia,  maldade
Fogueiras eclesiais

No tempo das ancestrais
Caminhos longos, assombros
Desconstruções e escombros
Peregrinações gerais

No tempo das ancestrais
Alma, espírito,  lamento
Um despertar lamacento
Em regiões abissais

No tempo das ancestrais
Corpos, danças condoídas
Relatos de morte vida
Estórias de animais

No tempo das ancestrais
Algodão, linho e chita
Fazenda, linha e fita
Costura que se resfaz

No tempo das ancestrais
Luas, sóis, ciclos, janeiros
Ventos fortes e maneiros
Renascimentos, finais

domingo, janeiro 01, 2017

Salmo silvo

Quero um salmo
Que saia da minha boca fluidamente
Sem cerimónias e com muito som
Quero um salmo
Salmo que se expanda
Não se repreenda
Silvo de floresta
De capela e festa
De canção seresta
Quero que esse salmo me salve
Sem explicação
Que seja santo, salmo canto
Pranto alegre planto
Raiz nutrição
Salmo ameríndio
Simples comunhão
Salmo sorrateiro
Que se chega inteiro
Cor de cor ação
Salmo que me abrace
E a tudo enlace
Cheio em compaixão
Salmo que me cante
Que a tudo encante
Tempo inspiração
Não precisa rima 
Rica nem ser fina
Pode ser brejeira
Pó de capoeira
Mas vir verdadeira
Feito essa menina...
Quero esse salmo
Esse é meu segredo
Digo ao arvoredo
Esse simples salmo
Meu salmo de silvo

quarta-feira, agosto 20, 2014

Encontrada


média três kilos já tem
a menina grande
sem circulares

tem perfil na foto
uma sombra feita
na barriga dura

um fêmur de 7 e meio
que dispensa medições
a menina grande
dentro dos padrões

água ainda tem bastante
placenta quase madura
acenando pronto instante
rica de graça e candura

uma cabeça pendida
pela gravidade conduzida
e um corpo que se espreme
no corredor da barriga

e a menina apronta
coração presente
corajosamente
a sua saída

a sua chegada

e a menina aprontada
já não se adianta

mas já se encontra
de pronto encontrada

sexta-feira, agosto 01, 2014

leite

leite é coisa tão boa que nem sendo um leite assim de caixa fica ruim, nem sem lactose, nem em pó...
leite tem o gosto do primeiro gozo, primeiro contato, gosto de mãe.

mãe é coisa tão boa que mesmo sem lactose, sem leite e sem peito.

segunda-feira, julho 14, 2014

III

Se o ciúme (novamente) é uma sombra clara
A insegurança sopra e se apodera
Sobra o assombro, e assim podera
Transformar a lombra numa flora rara
Se entre forma e máscara infinita e cara
Se entre um verso sinto e me calo outra
Fingindo o sons que me completam louca
Boca dissonância meu zumbido enterra
E desterrada, a vocalize erra
Nas incertezas das distâncias roucas.

Quem mais de musa que teu olho segue
Quem mais de verde o teu sentir ressoa
Se de reinado não temos corôa
Se de sedentos somos tuaregues
Somos relento, chuva que nos regue
Embriagados de nossos umbigos
Ambos tocando a toca do inimigo
Atrás de portas, chaves e espelhos
De ostras, mares, cartas e coelhos
Achamos cria que rogava abrigo.

Não quero um homem, infeliz, escuro
Atado e sério, cheio de segredos
Quero o mistério de abraçar os medos
Solver me água de infiltrar os muros
Sorver o sumo suculento e puro
Na madurez da terra embevecida
Na acidez da flora enrijecida
E saciar-me plena de inteireza
Em religare de intensa reza
Alma alagada, pele comovida.

És o orvalho que me desposou
Sou flor que dizes ser de Aldebarã
Nos encontramos e nasceu manhã
Pássaro raro que em mim pousou
És o valente que enfim ousou
Atravessar muralhas de espinhos
Nos encontramos entre a voz e o pinho
E o silêncio cio se atravessou
Já não importa mais se és ou sou
Só o que soma e que nos faz caminho.

Tantas passagens da existência adentro
Tantos encontros em diversas formas
Aberto o tempo, alegoria e norma
Casa, cuidado, coração, coentro
O nosso encontro nos veio pôr centro
Estou ciente que estamos certos
Em receber um ser tão mais esperto
Que ainda chega e tanto já ensina
Unindo opostos n’água feminina
Nos acordando à sonhar despertos.

sábado, julho 27, 2013

gelos secos

como tem andado olga
pra onde vai a máscara neutra de cada dia
de que serve a verve
água de chocalho
calhou de alga
anaíra no processo
nua na neutra família
só na arma da armadilha
lembra odília
é babá de crianças na rua do lado
se engraça da matéria da vida no luto da trasfomação sutil
marina no gol do impulso
aninha na filosofia filha
luciana mãe redescobrindo a arte em si
germano na mesma flor do espiral
todos no mesmo barco
aparente, diferenças
um fio liga a massa
uma teia de viola
lívida vida
cláudio na graça peleja
no abraço de dora
nos olhos de leo
rafael no espelho da cama
rio do espelho do ventre
e fim do curso na educação
professa a profissão
caminhos na subsistência
no par
no casal
no funil
no alambique do panteísmo
o adulto bate na porta
parece um demônio pedindo pra ser encarado
dizendo coragem com os olhos
parece minerva séria
com uma coruja grande no ombro
pronta a te engolir os olhos
e o tempo é de enfrentamento
e olhos secos

domingo, julho 07, 2013

clenice-wood


(à mainha)

Toda a graça, legastes
O exemplo e a quimera
Força-luz que reverbera
Sentido têxtil da haste

Bandeira que encaminhastes
Fincada no chão que gera
Entre sol e primavera
Fostes encontro, e gerastes

És potente na cadência
Humana, flor de essência
Companheira que anima

Copa grata florescida
Mais que isso, agradecida
Parceira de canto e rima

thiago

menino de caruaru
que brincava de telejornal
que virava as cadeiras de balanço
que brincava comigo

menino de são joão
de rosário, de xangô
menino thiago mouro


menino thiago terno
da revolução riscada no quarto
da devolução do livro na biblioteca da faculdade
da disciplina de estudar só

tio thiago, thiago tio de sofia
namorado do namorado, da filosofia
amigo do ex, amigo do que não foi

sem barreira. thiago antigo
amigo que deita e cose
cozinha santa de calcanhar


domingo, maio 05, 2013

soneto solto pra irmã Natascha que foi morar no Rio de Janeiro


você foi mas deixou um sentimento
e um cheiro de chavo e canela,
uma Oxum bem feliz e amarela
que adoça e dá contentamento

quando lembro de ti, o sofrimento
se transforma em amor e confiança,
se refaz e sorri feito criança,
que abundante deixastes alimento

és irmã, e feliz eu sou em tê-la,
pois o espelho transborda e revela
na verdade amorosa do olhar

se estás longe, estás perto, sempre estás...
tens a força das curas ancestrais
do encontro do rio com o mar

sexta-feira, novembro 23, 2012

pandora


Vi dizer que Pandora me adora
E eu adoro Pandora
Ela se anima quando eu chego
E eu sempre chego
Ela nunca hesita quando eu chamo
A gente sempre se chama
Pandora me adora
E eu adoro Pandora
Com a gente não tem caixa
Nem fachada
Com Pandora a verdade é pura
Verde que vigora
Tem tempo, o colorido da gente se apoderou
E somos espécimes raras
De arcoiris com cavalo de um chifre
Somos livres
Duas borboletas pequeninas e feiticeiras
E nos queremos
Somos flores camélias
Do odor mais incrível e singular
Mas somos comuns
Com os babadores melados de melancia
Descalças
E encantadas com as estrelas da terra
 


quinta-feira, novembro 22, 2012

Salmo à escrita.


Esdras trabalha na livraria.

Só podia. Ser livreiro.

Há tempos escrevi umas cartas a ele.
Cartas de criança,
 de cristã,
 de Cristo.

Ele escreveu umas talvez
muito belas, bem escritas, de escritor...
Mas quardou todas para si.
Cada qual num canto...
Marcando livros,
preenchendo gavetas.

Mas é esse o sentido, não?!
Não me iludo, pois muito me serve todo conteúdo.
Quando a gente escreve é pra gente mesmo.

Pra melhorar nossa alma
No caminho do cinema...
Nossa projeção.
Poder expor na galeria da esquina
As linhas cruzadas e as rimas
Das sinas felinas
das palmas das mãos.
Sem preocupação.
Na calma da paz
da pós-explosão.

Sozinho, vizinho,no caminho
na linha,na caneta, na contra mão.

Quando a gente inventa é assim
pra nossa própria venta
ficar erguida.
Na frente do vento.
Desmedida.

Quando a gente
em paz velha e cotidiana
vai chupando cana
sem preocupação.

Quando a gente escreve e manda
demanda muita coisa
da vida zelosa.
Dádiva que se joga,
que se pisca.
Quando a gente risca
tudo se (des)entende ao pé da letra, à risca.
E não era nada daquilo no fim.
Gosto ruim, é o que fica, é o que acaba ficando
quando a palavra vem assim, com um fim, querendo resposta...

Demanda muito pantim, é uma bosta...
Mas depois acaba melhorando.



2010. Várzea.